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Bilhete de Identidade #1: Athletic Club - A expressão de uma nação

  • Foto do escritor: Mauro Salgueiro Delca
    Mauro Salgueiro Delca
  • 25 de jan. de 2021
  • 5 min de leitura


Bilhete de Identidade - Introdução

Apaixonado pela história, tradição e por filosofias. Assim me defino como espectador e admirador de futebol. Para mim, é complicado gostar de uma equipa só porque essa dita tem cinco vitórias consecutivas e nos últimos dois ou três meses apresenta bom futebol. Por essa razão, contos de fadas (ou quase), como a caminhada da Atalanta até aos quartos de final da Champions League da época passada pouco me dizem, ainda que os veja com agrado.


Será de mais que isso, a meu ver, que vos falarei no ‘Bilhete de Identidade’. Este é o espaço reservado a clubes que não são só colectividades desportivas, mas sim muito mais. Clubes que são um espelho da comunidade ou de uma faixa da mesma. Clubes com valores - ou desvalores - bem presentes na sua essência e que os tornem transcendentes à sua condição.


Mas qual a razão para reservar espaço para tudo isso? A razão é simples. O futebol não é apenas futebol, nunca foi e nunca será. E quando os ideais de cada um de nós estão no centro do relvado, o jogo torna-se muito mais.


Athletic Club - O historial

E nenhuma equipa melhor para começar... os ‘underdogs’ da edição 2020/21 da “Supercopa”, a verdade é que o Athletic levou de vencida a competição com vitórias sobre os tubarões Real Madrid e Barcelona. A conquista recente foi a 3ª na Supertaça, que tinham vencido pela última vez em 2015. No que diz respeito à La Liga, a última conquista do clube de Bilbao remonta já a 1984, ainda designada de Primera División. Ano... de triplete.


Para os leitores mais jovens, é, portanto, estranho que se aponte os leões de Bilbao como um gigante. Mas é. Para além de ser 5º classificado na tabela cumulativa de classificações da divisão de topo espanhola, o Athletic é também o 4º clube com mais títulos da prova (oito) e o único clube, além de Barcelona e Real Madrid a nunca ser despromovido ao segundo escalão e a estar presente em todas as suas 90 edições.


Para além disso, o melhor marcador oficialmente retirado da história da La Liga alinhou exclusivamente na prova pelo clube basco. Telmo Zarra marcou 251 golos em 278 partidas e a marca vale-lhe o 3º lugar na lista de marcadores da competição - conseguem adivinhar os dois primeiros? - bem como a eleição como melhor avançado espanhol de sempre, de acordo com alguns historiadores do futebol.

Também o jogador com mais presenças em partidas na liga foi jogador dos listados: Andoni Zubizarreta, mítico nº1 espanhol, alinhou pelo clube em 169 partidas das suas 622 na divisão de topo de ‘nuestros hermanos’.


A nível continental, a história pode não ser tão risonha... cinco presenças da Taça dos Campeões Europeus/Champions League, a melhor das quais a resultar numa ida aos quartos de final (1956-57) e duas campanhas até à posição de finalista vencido da Taça UEFA/Europa League não fazem propriamente jus à grandeza do Athletic. Grandeza essa que transcende em muito o palmarés.


Athletic Club - Orgulho Euskara / Contra a corrente do futebol moderno

Escrever um artigo sobre o Athletic Club sem referir o facto de o clube ter como política a auto-restrição em fazer alinhar nos seus quadros atletas com nacionalidade basca seria impossível. Como tal, trago-vos uma possível novidade. Nem sempre foi assim. Somente desde 1912 (14 anos após a fundação) o Athletic adoptou a medida de alinhar exclusivamente com jogadores nativos ou formados futebolisticamente na região do País Basco.

Como tal, não é surpreendente que a actividade do clube nos mercados de transferências fique marcada por negócios com alguns dos principais rivais regionais, nomeadamente Real Sociedad, Alavés, Eibar e Osasuna.


A política de utilização apenas de jogadores bascos em nada interferiu ao longo dos anos com a presença de representantes dos leões nas seleções das suas primeiras nacionalidades. A seleção de Espanha conta com uma multiplicidade de jogadores do Athletic nos seus registos históricos, desde Telmo Zarra aos guardiões José Iribar e Andoni Zubizarreta, passando também por Andoni Goikoetxea e, mais recentemente, nomes como Joseba Exteberria, Andoni Iraola, Fernando Llorente, Javi Martínez, Markel Susaeta ou Iker Muniain.

Também a Venezuela contou com a presença de Fernando Amorebieta na sua seleção, e Aymeric Laporte foi internacional francês até ao escalão de Sub-21.


Essa política destaca-se como caso único na Europa e, apesar de controversa, era partilhada pelo já mencionado Real Sociedad até 1989. Hoje, o Athletic é visto como um clube que prima por se posicionar claramente contra a corrente do futebol moderno. Nacionalista e independentista, também não é surpresa verificar que os patrocínios, que surgiram pela primeira vez em 2008 nas camisolas listadas, são de origem euskara.


Menor surpresa ainda será o facto de o Athletic ter sofrido represálias ao longo da sua história pela sua promoção do País Basco como nação. Durante o regime franquista, naturalmente, o clube foi perseguido pelo seu ideal e, em 1941, forçado a mudar de nome (Atlético Bilbao) após um decreto que proibia designações de origem não-castelhana.

Findados os anos 40, os bascos tinham perdido espaço a nível interno, dando azo a um domínio do clube predileto do regime, o Real Madrid - ainda hoje, provavelmente, o grande rival do Athletic, já que o derby local frente ao Real Sociedad tende a ser bastante amigável. O nome Athletic só voltaria nos anos 70 com o fim do fascismo de Franco.


Desde então, o clube mantém-se como uma das maiores forças de expressão do movimento independentista basco, tendo sido desde sempre provavelmente a maior manifestação não-extremista do movimento. Os tempos mudam e o futebol muda com os tempos. O que antes era apenas um desporto assume hoje forma de negócio. Ainda assim, não parece que o Athletic esteja perto de mudar a sua identidade única.


Athletic Club - Identidade viável?

Respondendo à questão do título do subtópico de forma curta: não e sim. A partir daqui, segue-se a opinião pessoal do autor. Não creio que seja viável para o Athletic Club continuar principalmente com a política de exclusiva utilização de jogadores bascos, isto caso o objectivo do clube seja o seu ressurgimento em lugares cimeiros da tabela em Espanha. Quem sabe, almejar a um título de campeão.


Contudo, se o objectivo desportivo regente não passar por conquistas, mas sim pela manutenção do sólido estatuto do clube como presença constante na La Liga, a resposta muda para um claro “sim”. Difícil será argumentar contra. Athletic e Real Sociedad têm duas das melhores academias de formação (canteras) do país e, como tal, talento basco nunca há de faltar.

Aliando-se esse talento à vontade que muitos jogadores da formação do Athletic têm em fazer carreira no próprio clube (Iker Muniain e Iñaki Williams como principais exemplos actuais), é difícil ver os leões vermelho-e-brancos a cair na segunda em breve.

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