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Futebol sem adeptos: um espelho dos tempos que vivemos

  • Foto do escritor: Pressão Alta
    Pressão Alta
  • 21 de jan. de 2021
  • 6 min de leitura


Ao longo destes meses de combate à pandemia, os vários sectores da sociedade tiveram de se adaptar, quando possível, das mais variadas formas, para que se mantivesse os negócios de pé. O desporto em geral foi um setor afetado a princípio com a suspensão dos campeonatos, por todo o mundo, com exceção de um a dois campeonatos periféricos (caso da Bielorrússia por ordem do contestado presidente Alexandr Lukashenko).


O retorno do futebol - principal desejo de todos os adeptos, certamente - foi conseguido, mas com restrições, pois claro, nomeadamente a ausência de público nas bancadas. Posteriormente, veio a existir presença de adeptos, com um número residual face às multidões que nos habituámos a ver. Da parte de muitos clubes (essencialmente daqueles que apresentam frequentemente grandes molduras humanas), tem sido feita pressão junto das entidades de saúde e dos governos nacionais, para que o público pudesse regressar aos estádios. Estes sabem que a presença de apoiantes é uma força extra a vários níveis e, no artigo de estreia da Pressão Alta, destacamos três impactos que o futebol sem “protagonistas de bancada” está a sofrer:


1. Impacto Financeiro

As receitas de bilheteira são uma boa parte do "bolo" orçamental dos clubes para as suas épocas. Alguns destes apresentam boas percentagens do estádio reservada para bilhetes de época, denotando a importância do público (Benfica, muitos clubes ingleses e alemães). Outros, os ditos "pequenos" do primeiro escalão sobrevivem muitas vezes à conta dos jogos com os 3 grandes, em Portugal, por exemplo. Ora, sem possibilidades de albergar público na bancada, perde-se a receita de bilheteira e uma importantíssima fatia orçamental da época.


Para além disso, também as receitas geradas pelo comércio e restauração no interior dos recintos desportivos acabam por ser muito menores. Sem adeptos, falta a venda da cerveja ao intervalo ou a venda de cachecóis do clube, seja para os adeptos da casa ou para recordação dos visitantes.


Face a estas perdas financeiras, é natural que tenham surgido, desde o início de 2020, notícias referentes a grandes cortes no número de funcionários dos clubes. E se a medida foi tomada no seio dos tubarões e históricos do futebol europeu, como o Barcelona ou o Arsenal, em que nem o acarinhado ‘Gunnersaurus’ (mascote) escapou, então podemos imaginar o que têm passado os clubes com menos posses, mas com menos notoriedade noticiosa. Se ao fim da época 2019/20 assistimos à queda do Vitória Futebol Clube, o cenário parece propício a que nos próximos anos assistamos a outras quedas por motivos idênticos.


Mas, se olharmos para além do horizonte que é o futebol profissional, o cenário torna-se verdadeiramente negro, assustador. Falta o público nas grandes ligas, como também falta no Campeonato de Portugal e nas divisões Distritais. A esse nível, por norma, a grande maioria dos clubes dependem quase a 100% das receitas de assistência, de patrocinadores locais e de fundos autárquicos. Pois bem, sem assistência, é certo que em 2020/21, um terço das fontes são perdidas. Para não falar também da natural quebra de patrocínios, devido à afetação de empresas locais, potenciais patrocinadores.

Não é especulação: se no período pré-Covid-19 já existiam casos em que vencedores das distritais recusavam subida aos campeonatos nacionais (Mosteirense, da A.F. Portalegre), hoje existem clubes a recusar-se ir a jogo no próprio distrito e, inevitavelmente, a cessar atividade desportiva. É triste, sem dúvida.

2. Impacto na intensidade de jogo

Também a intensidade de jogo tem sofrido um impacto negativo visível a olho atento, e, convenhamos, mesmo do ponto de vista de um adepto não tão regular é possível de se perceber isso. Os jogos das principais ligas em que não foi permitida a presença de adeptos nos estádios estão mais monótonos. Salve-se a Serie A (Itália) como exceção, temos assistido a encontros com menos incursões ofensivas, pelo menos, comparativamente ao número de golos marcados. Ou seja, apesar de os golos não serem, regra geral, marcados em menor número, tem sido mais comum vermos jogos resolvidos com golos súbitos, sem que a partida seja propriamente rica em oportunidades ou em chegadas ao último terço.


Os adeptos galvanizam os seus jogadores e constituem uma motivação extra para estes. Quer queiramos quer não, os jogadores são humanos e acostumados ao ambiente fervoroso em seu redor sentem-se quase como num treino/jogo amigável e não se superam nas suas ações. Temos assistido a certos jogos, modestos em termos de intensidade e que nos têm prendido ao sofá...de olhos fechados.


Não é, propriamente, de estranhar. Vivemos tempos de melancolia e o futebol não foge à regra. O ano de 2020 foi, infelizmente, marcado por um estado de espírito comum menos animado. Os números que dizem respeito a patologias do ramo da saúde mental, como a depressão ou a ansiedade, estão também eles em crescimento na sociedade. Natural é também que os jogadores entrem em campo com menos alento e disposição, perante um quadro vazio. Ninguém os pode censurar. A nosso ver, o futebol é, acima de tudo, um jogo cerebral.

3. Impacto na estabilidade dos clubes

Nas bancadas são, muitas vezes, expressos os devaneios que os adeptos vão sentindo ao longo dos tempos. Lenços brancos, cânticos de indignação, são várias as formas de manifestação face ao rendimento da sua equipa. Isto gera instabilidade no seio das direções, treinadores e jogadores e promove ruturas dentro dos clubes. Um bom exemplo disso é o campeonato que o Sporting está a realizar. Repleto de jovens jogadores com vontade de se afirmar, num estado normal, o tribunal de Alvalade ditaria a sua lei e já teria provocado maior instabilidade num plantel que aparenta estar coeso.

Lembramo-nos do jogo frente ao Gil Vicente, no qual a turma leonina esteve a perder até poucos minutos do final. Com público nas bancadas, teriam sido capazes de dar a remontada no marcador em poucos minutos? Muito dificilmente. Por aí, diríamos que o público, neste caso, a sua ausência, tem sido benéfica para certos clubes, ao invés de outros que dependem muito do poder exercido pela massa associativa.


E as chamadas “chicotadas psicológicas”? A verdade é que têm existido em muito menor número. Logicamente, pensamos nós. Como referido anteriormente, o público nos estádios acaba por ser o grande espelho da forma das equipas. Presentes, numa série de derrotas, o desagrado é notório. Ausentes, além de notório, o desagrado torna-se também uma questão económica. Por norma, numa fase negativa, a assistência de um estádio baixa. Quando não há assistência, não há esse termómetro.


Como tal, tanto o contentamento como a revolta da massa adepta dos clubes é canalizada para outros meios. Com medidas de confinamento, mesmo as manifestações mais ou menos pacíficas às portas de estádios e centros de estágio são menos comuns. E as redes sociais não são “megafone” suficiente para a voz do adepto.

À 14ª jornada, Portugal regista apenas seis trocas de treinador na Liga NOS. E, convenhamos, para o que é habitual, trata-se de um registo extremamente positivo - na época transata já se contabilizavam nove. Na La Liga, a diferença é menor. À 19ª ronda, contam-se quatro. Na época passada eram cinco. Em Itália, na Serie A, contudo, continuam a verificar-se quatro mudanças à 18ª jornada, a passo que o valor da época 2019/20 estava acima do dobro: nove.


Longe de nós pedirmos o despedimento de um treinador, porém, questionamos, olhando para a época passada como exemplo. Em Espanha, no Valencia, Marcelino foi despedido após um mau arranque (2019/20), deixando o clube na 13ª posição após três (!) jornadas. Em 2020/21, o clube, com tradição europeia, encontra-se em 14º e longe de qualquer aspiração de disputa continental na próxima época.

Ernesto Valverde, por sua vez, deixou o Barcelona à 20ª jornada... como líder do campeonato, porque o Barcelona jogava um futebol pobre. Quique Setién substituiu-o e, desde o início desta temporada, Ronald Koeman assumiu o leme. Nada mudou, a não ser a classificação: em 3º e a sete pontos (à data de escrita) do líder Atlético - que tem menos dois jogos - e sem conseguir o 1º lugar do grupo da Champions League pela primeira vez desde 2006/07.

Em condições normais, convenhamos, ambos já teriam perdido o seu lugar, parece-nos.


Nota: não querendo de forma alguma impor a presença de adeptos durante este período conturbado que vivemos, constata-se a importância que estes revelam dentro do próprio futebol. Comprova-se assim a célebre frase “Não há futebol sem adeptos”, uma vez que estes têm um impacto variado dentro dos clubes, sendo mais do que o 12.º jogador.


Autores:

Bruno Galvão

David Pedreirinho

Mauro Salgueiro Delca

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